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ama & guerra

José António Guerra Basso Marques, filho legítimo de Jaime Wheelhouse Basso Marques e de Georgina da Conceição Gonçalves Guerra nasceu em Lisboa no ano de 1937.

Com cerca de um ano de idade viajou na companhia dos pais para Macau, numa longa viagem de navio que demorou cerca de dois meses, da qual não tem nenhuma recordação. 
Não sabe de qual das gares, de qual dos três cais para navios-cruzeiro do porto de Lisboa partiram: se de Alcântara, se de Santa Apolónia - de onde os soldados apanhavam os navios que os levavam para Ultramar - ou se do terminal da Rocha de Conde de Óbidos, mais conhecido como Cais da Rocha. Nem o nome do navio em que embarcara, mas parece-lhe, pelas imagens, que devia tratar-se de um navio de civis.


viagem de ida para Macau, c.1938.


Segundo o que conseguiu apurar João Botas a partir da embarcação salva-vidas que se vê no canto superior esquerdo desta fotografia, o navio em que viajaram terá sido o "Baloeran", da empresa Rotterdam Lloyd. O Baloeran faria na época a rota Europa-India, seguindo este itinerário: Roterdão, Southampton, Lisboa, Tanger, Gibraltar, Marseilles, Port Said, Suez, Colombo, Sabang, Belawan, Singapura, Batavia.
Na Batavia (actual Indonésia) terão feito transbordo para outro navio mais pequeno até Hong Kong, onde apanharam a ligação marítima até Macau. No cais de Kowloon seguiram no “Sui Tai” ou “Sui An” e chegariam a Macau quatro horas e meia depois.
..


 *

O pai, que estudara no Colégio Militar e que era primeiro sargento cadete, havia sido colocado em comissão de serviço em Macau. Os primeiros dois anos de vida de José foram passados na Cidade do Nome de Deus,  junto com os pais, bem como aos cuidados de uma ama macaense. 

Lembraste de como se chamava? Ah, Ah, Ah Muih!

À porta de casa, Macau 1939.
"O Tonito sentado à janela tendo a rapariga ao lado,
para lhe deitar a mão, caso se voltasse para a rua.
É a janela do quarto. Macau, 10-04-39"
































Ah mui, que pode bem ser sinónimo de irmã mais nova, era também um nome chamado às criadas, ou uma palavra carinhosa para designar um familiar ou alguém próximo, mais novo. A minha avó chamava-lhe rapariga.






Os dias eram passados com a ama e a mãe num jardim perto de casa, talvez o jardim de S. Francisco, que ficava ao lado do quartel onde estava o pai. 
Havia um casal de amigos, que passeava às vezes com eles, mas não se lembra dos seus nomes.
Iam também à Guia, onde, ao cimo da colina, ficava o farol, que se diz ser um dos grandes faróis do mundo, e  o primeiro a ser erguido em todo o Oriente, em 1865.



"Na "Guia". Eu estava entre as pernas do Jaime a fazê-lo rir, o que ele fazia de muita vontade! Aos 21 meses".
Macau, Junho 39.




Foi a ama quem ensinou ao meu pai as primeiras palavras faladas, em cantonês. Foi em Macau que deu os primeiros passos. A ama que veio a falecer, vítima do bombardeamento de um ferry que fazia a travessia de Hong Kong para Macau, depois de 1941 e da expansão da segunda guerra ao Pacífico. Ficava então só com a sua mãe. 

À beira da biblioteca octogonal chinesa.
Jardim de S. Francisco, Macau, 1941.



Na verdade, antes de Dezembro de 1941, a segunda guerra mundial ainda não se tornara verdadeiramente mundial, mas chegaria a Macau nesse mesmo Natal. 
No final do ano de 1941, no seguimento da atitude  imperialista japonesa de se apoderar dos recursos do Sudeste Asiático e suas ilhas, o Japão bombardeia a base naval de Pearl Harbor, onde se encontrava estabelecida a frota norte-americana do Pacífico. Este ataque marca a entrada dos Estados Unido na guerra em força contra o Japão.
Além de outras conquistas, é nesta altura que as tropas nipónicas invadem Hong Kong, colónia da coroa britânica. Macau ter-se-à tornado então, para alguns, o porto seguro que os afastava da invasão e ocupação japonesa de Hong Kong.

Foi no contexto da guerra e da incompatibilidade entre os seus pais que José, tal como lhe chamava só o avô materno, regressou a Lisboa, pelo navio do qual não recorda o nome, com a sua mãe Georgina.

viagem de regresso de Macau para Lisboa, 1941.

 

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A viagem de regresso deverá ter acontecido cerca de 1941, uma vez que, segundo João Botas, a partir de 1942 as ligações fluviais foram interrompidas e Macau ficou isolada do mundo praticamente até 1945.

Desta viagem, ou da memória que a sua mãe dela guardara, e que lhe contara, recorda ter sido assustadora em muitas alturas, como quando o navio era assolado pelas fortes ondas do mar. Aí era o navio um carrossel de onde não podiam descer para parar. Lembra-se de ouvir falar da passagem pelo canal do Suez, que permitia agora a navegação da Europa à Ásia sem ter que contornar a África pelo cabo da Boa Esperança.

© All rights reserved by Cochinilha 

Sobre Ou Mum (Macau, ou a Cidade do Nome de Deus), 
alguns bons sites


Comentários

João Botas disse…
Obrigado pela partilha. Na fotografia da viagem para Macau em 1939 quase que se consegue identificar o nome do navio a partir do nome inscrito na embarcação 'salva-vidas'... Vou tentar! Cumps JB
É verdade...
. S. ??UERAN... consegue decifrar?
Entretanto, recordo-me de ter encontrado um registo de passageiros em que aparecia o nome da minha avó, no site ancestry.com, numa altura em que estava a experimentar (free trial)
Vou ver se recupero!
Pedro Pinto disse…
A 4ª fotografia (aquela em que aparece o carrinho de bebé) está invertida. Procedendo à correção, é possível concluir que foi tirada na Av. da Praia Grande; identifica-se ainda a calçada de S. João (a rua que sobe), que vai das à Sé, aliás visível, de forma difusa, à direita (na foto corrigida). À esquerda, vê-se o portão da escola Pui Ching, com os caracteres chineses.

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