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ruge-ruge



ruge- ruge
in exposição de instrumentos tradicionais portugueses



Noite cerrada, saía da igreja da Misericórdia a procissão das Endoenças.
Pouco a pouco, apagadas todas as luzes no interior das casas, as varandas e as janelas iam-se enchendo de figuras escoadas a medo na tinta da noite.
Mas já ao longe se ouvia um estranho vozear de multidão e incertos fogachos de lumieiras se agitavam, sinistros, na treva espessa: era a ronda dos fogaréus – temido bando popular, precedendo a procissão, que tinha a essa hora de severas contas o inaudito direito de acusar uma cidade inteira...
Por isso as almas, as mais lavadas, estremeciam ao sentir aproximar-se esse Bando do Pavor, permitido pelo alto clero com o fim de, à falta de denúncias à inquisição, ser ele, uma vez no ano, o pelourinho andante das mais escondidas vergonhas.
Passado o bando e extinto ao longe o último sussurro da turba atroadora, a contrastar com essa algazarra, aparecia, solene e fúnebre, a silenciosa procissão.
Empunhando tochas passavam os irmãos da Misericórdia (de um lado os nobres, do outro os plebeus) cobertos com os capuzes das suas opas negras... passavam farricocos vestidos de roxo com cordas à cintura e pés descalços.
E tudo era lento e silencioso; somente, de onde em onde, se ouvia taramelar o estrondoso ruge ruge, chamando à penitência os que não tinham ainda ido à desobriga da confissão quaresmal!
E as almas, meditando em seus pecados e na morte certa, penetravam-se de medo!

(adaptado de Antero de Figueiredo)

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